Divulgação informativa e cultural da Escola Secundária/3 Camilo Castelo Branco - Vila Real

domingo, 7 de fevereiro de 2010

ENTREVISTA AO PADRE JOÃO CURRALEJO

Um padre actual, com mentalidade jovem e de fácil relacionamento

“A Igreja precisa de estar muito atenta às mudanças e à evolução social para que a sua linguagem e pensamento sejam compreendidos pelos homens e mulheres de hoje.”

A&A - Com que idade soube que queria ser padre?
Padre João
- A vocação é um processo. A primeira ideia surgiu na escola primária, mas a decisão só foi tomada aos 21 anos.

A&A - O que leva um jovem de 21 anos a seguir este caminho?

Padre João - Várias razões, mas o essencial foi a experiência de Deus que fui tendo, a identificação com um ideal de vida dedicada aos outros que me pareceu ser um projecto feliz e também a necessidade de padres que percebi que havia.

A&A - Em que medida esta decisão mudou a sua vida?
Padre João - Mudou muito porque, por um lado, desde que entrei no seminário com 12 anos, esse tempo de “namoro” foi orientado para este estilo de vida, por outro lado, foi mesmo o deixar de lado tudo o que seria “normal”: uma família, um emprego, a minha própria casa … O tornar-me padre foi apenas uma oficialização, uma espécie de casamento após anos de namoro.

A&A - E hoje, sente-se feliz enquanto padre?
Padre João
- Muito, porque posso viver sem preocupações próprias (como o meu sustento, por exemplo) para me poder dedicar totalmente aos outros e sinto-me muito útil porque vejo que as pessoas precisam de Deus e a Palavra de Deus faz a diferença em determinados momentos.

A&A - Nunca lhe apeteceu desistir? Se sim, porque não o fez?
Padre João - Várias vezes, quando algumas coisas me decepcionaram ou quando sinto mais solidão. Não desisti, porque sinto um vínculo (compromisso) muito forte com Deus desde a ordenação e sempre Lhe peço ajuda para ser fiel ao “Sim” que dei. Tal como num casamento, como referi anteriormente, há altos e baixos, momentos melhores e piores numa relação. Já me aconteceu estar em momentos menos bons mas mesmo assim não desisti, com a Sua ajuda consegui continuar.

A&A – Hoje em dia, ouve-se muito falar da falta de vocação para o sacerdócio. Sendo um padre jovem, como explica o facto de na Igreja católica haver cada vez menos padres?
Padre João - Eu penso que tal situação é fruto de uma crise geral da sociedade que tem dificuldade em assumir compromissos estáveis, sobretudo os que são para toda a vida. No entanto, e ao contrário do que as pessoas possam pensar, não há falta de padres jovens. Há, sim, um número reduzido de padres da faixa etária correspondente ao 25 de Abril, onde houve um excesso de liberdade. Na minha opinião, nem oito nem oitenta, nem fanatismo, nem desinteresse total.

A&A – Na sua opinião, o facto de a maioria dos padres ter muita idade afecta a relação da Igreja com a população mais jovem?
Padre João - Creio que sim, embora com certas excepções porque há padres já com uma certa idade que são jovens por dentro e conseguem cativar os outros jovens. Contudo parece-me óbvio que os jovens se identifiquem com quem esteja próximo deles, das suas questões, da sua linguagem, e a proximidade da idade ajuda muito.

A&A - Como explica a existência de Deus na vida das pessoas e de que modo a podemos experimentar?
Padre João - Deus não se explica, experimenta-se, na medida em que nos interrogamos sobre a nossa vida e o sentido das grandes dimensões da existência: nascer, crescer, o que fazer na vida, como ser feliz, o sofrimento, a morte e a grande questão do depois da morte. Deus sente-se dentro de nós e, mesmo que ainda não nos tenhamos apercebido disso, Ele está lá. Quando nos procuramos a nós próprios, acabamos também por O descobrir.

A&A – A Igreja Católica constitui um alvo de exercitação da crítica, por revelar, dizem, um total alheamento das exigências dos tempos actuais, das necessidades, interesses e inquietações das pessoas, em suma, por não ter em conta a vida real. Como se posiciona face a essas críticas?
Padre João - Por um lado, as propostas (propostas, pois não nos obrigam a nada) da Igreja, tal como as dos nossos pais, são exigentes, e por vezes não nos agradam, mas são verdadeiras e procuram a máxima realização da pessoa; por outro lado, a Igreja precisa de estar muito atenta às mudanças e à evolução social para que a sua linguagem e pensamento sejam compreendidos pelos homens e mulheres de hoje.

A&A - Milhões de pessoas morrem de sida em África. No entanto, a Igreja Católica é claramente contra o uso do preservativo. Qual é a sua opinião sobre este assunto?
Padre João
- O uso do preservativo é desaconselhável, sobretudo nos países referidos. Prova disso é o programa ABC (Abstrair, Be faithful, Condomise), implementado em vários países e com muito sucesso, que vem defender a abstinência e a fidelidade dentro do casamento. Estes são os valores que dão melhor resultado a curto e a longo prazo e as melhores ferramentas para combater as doenças sexualmente transmissíveis. Só num terceiro momento se pode admitir o uso do preservativo, isto é, nos casos em que não se consiga cumprir os dois primeiros pontos.
Acredito que a Igreja tem o dever moral de ajudar à formação integral da pessoa de modo que cada pessoa possa evitar por si comportamentos de risco.

A&A – O que pensa da nova Lei do casamento gay?
Padre João - Um atentado à família. Que todas as uniões estáveis entre duas pessoas, independentemente da orientação sexual, tenham um reconhecimento social e um enquadramento jurídico, sim, mas tratar igual o que é diferente, não; e chamar família ou casamento a estas uniões, não. Também não se chama casamento às uniões de facto heterossexuais, no entanto têm reconhecimento e direitos legais.

A&A - Sendo o Papa abertamente contra o casamento gay e contra o preservativo, de que modo a posição papal influenciou a sua opinião sobre estes temas?
Padre João
- O Papa é o porta-voz dos católicos do mundo. A nível dos princípios e valores que a Igreja defende tem tanto peso a opinião do papa, como a de qualquer leigo ou padre do mundo. O pensamento da Igreja é trabalhado a nível das bases e depois ganha forma em documentos assumidos e trabalhados nos Concílios (o último teve lugar entre 1962 e 1968, muito antes deste papa ou do papa João Paulo II). A minha opinião não depende, portanto, das posições dos papas.

A&A – Por vivermos num estado republicano e laico, foram mandados retirar todos os crucifixos das escolas. Na sua opinião, isso é bom ou mau?
Padre João - Por um lado, é mau, porque o crucifixo é um símbolo cultural que não faz mal nenhum e que incentiva ao respeito, à tolerância, ao amor e às raízes
cristãs da cultura ocidental. Por outro lado, pode ser muito bom na medida em que pode tirar da cabeça das pessoas muitas superstições, nomeadamente a de pensarem que estão protegidas por terem um crucifixo, um terço no carro, etc., pois o importante são os valores que trazemos dentro de nós e que norteiam a nossa conduta.

A&A - Considera que os padres deviam tomar parte activa n a sociedade como, por exemplo, desempenhar cargos políticos?
Padre João - Pela sua missão, penso que não deve estar ligado a nenhum partido pois deve ser/estar disponível para todos. Fora isso, claro que sim. Isso acontece em muitas associações, lares de idosos, misericórdias, etc.

A&A - No livro Caim, de José Saramago, afirma-se que a Bíblia é “um manual de maus costumes”. Considera esta afirmação ofensiva?
Padre João
- Por um lado, não, porque a Bíblia tem tudo o que é humano, o bom e o mau, o melhor e o pior. Por outro lado, é ofensiva na medida em que reduz toda a Bíblia, constituída por 73 livros, a uma cena de um desses livros, neste caso o primeiro.

A&A - Na sua opinião, os jovens estão menos abertos à Igreja ou a Igreja está mais fechada aos jovens?
Padre João - Os jovens parecem-me abertos a respostas que os satisfaçam e dêem sentido às suas questões (nos homens e mulheres da Igreja nem sempre vejo abertura para os ouvir, para os compreender e para os acompanhar com carinho). Os jovens, por outro lado, também têm muito a dar e a ensinar à Igreja.

A&A – O Sr. Padre João é um padre muito jovem. Como é ser pároco numa cidade, e de uma igreja como a Sé, que, “por norma”, é tão tradicional?
Padre João - Inicialmente foi complicado e notei estranheza em algumas pessoas por ser tão novo, mas neste momento está a ser muito bom: aprendi a ter paciência, aprendi a agir não para agradar às pessoas mas pelas minhas convicções e noto que está a mudar alguma coisa na paróquia e isso vale a pena e deixa-me feliz e realizado.

Entrevista realizada
Ana Queirós, nº 2,
André Machado, nº 5, 10º B
Fotografia: Ana e André

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