Foi recentemente publicado um estudo, “Teaching Math to the Talented”, de Eric A. Hanushek, Paul E. Peterson, e Ludger Woessmann, passível de ser consultado, por exemplo, em educationext.org, no qual, apesar da ênfase ser colocada no desempenho dos alunos norte-americanos em comparação com outros alunos de países desenvolvidos, poderemos verificar a posição que Portugal ocupa neste ranking. Uma importante conclusão é a de que em Portugal a percentagem de alunos com um desempenho muito elevado a matemática não chega a 5%. Com mais de 10% (o dobro) de alunos com alto desempenho a matemática estão a Suécia, França, Islândia, Dinamarca, Estónia, Eslovénia, Áustria, China, Alemanha, Austrália, e Canadá, e ainda 2 estados americanos. Com mais do 15% (o triplo) de alunos com alto desempenho a matemática está o Japão, República Checa, Holanda, Suíça, Nova Zelândia, Liechtenstein e Bélgica. A Finlândia, Coreia do Sul e Hong Kong têm mais de 20% (o quádruplo) de alunos com alto desempenho a matemática, e, no topo, com mais de 25% (o quíntuplo) de alunos com alto desempenho a matemática, está Taiwan. Pense-se nisto quando se ouvir alguém dizer que faz falta dar um sentido aos nossos actuais sacrifícios e que é preciso olhar para experiências educativas que transcendam o nosso mundo ocidental, para podermos melhorar. Em anteriores reparos, olhamos, já, para a questão da formação de professores, como possível constrangimento para as nossas dificuldades a matemática. Hoje, continuando a recensear o que de melhor o debate e discussão públicas em Portugal vai proporcionando a este propósito, debruçar-nos-emos sobre os programas de matemática, a partir do recente contributo de António Bívar, Carlos Santos e Luís Aires, professores e investigadores portugueses, em diferentes níveis de ensino (Superior e Secundário), na área da matemática.
O primeiro aspecto para o qual os autores chamam a atenção é para a existência de uma tradição plurimilenar nos trajectos do ensino matemático, uma fonte inesgotável das estratégias adoptadas ao longo dos séculos que nos permitem evitar um experimentalismo estéril: sabemos o que tem dado resultados. Nem sempre assim relativamente a outras ciências. Assim, concluem, é uma evidência que a progressão no conhecimento matemático nunca dispensou a realização de exercícios repetitivos e a realização de problemas (word-problems, na literatura especializada) e, nestes, de problemas com diferentes elementos e finalidades: por um lado, problemas que, ainda que partindo de historias problematizadas, possam encarnar características idealizadas e, assim, corresponder a um primeiro nível de abstracção; por outro, a análise de questões directamente relacionadas com o que efectivamente encontramos no dia-a-dia. Se nenhum destes dois tipos de problemas podem ser dispensados, os autores enumeram, exaustivamente, nos programas de matemática dos diferentes níveis de ensino, a opção muito clara pelos problemas realistas, retirados do quotidiano, indo ao encontro dos interesses e da realidade – presumida e, muitas vezes, de facto efectivada – dos alunos, abdicando, largamente, da dimensão abstracta dos problemas, o que, somando-se a testes que os autores consideram fáceis – os exemplos são mesmo de Maio deste ano (2010), dos exames do 4º ano e, ainda, do segundo ciclo do ensino básico – faz com que não tenhamos capacidade para responder ao grau de complexidade de problemas postos a alunos do mesmo nível de ensino, de outros países (a comparação é feita com a Rússia). O facto de os problemas no 1º ciclo do ensino básico raramente conterem problemas com mais de dois passos, e de aí não formarem um tema independente, mas virem quase sempre acompanhados com outras tarefas – ao contrário de outros países, agora o exemplo é Singapura, com o tema do problema de dois passos a ser um item independente, logo no 3º ano de escolaridade – não contribui para melhorias. Em síntese, temos problemas verbais de poucos passos, muito orientados e acompanhados de figuras (e com enunciados quase sempre pouco criativos). A preocupação com o carácter realista deixa de lado óptimos problemas tradicionais. Também no tema das fracções este carácter realista se impõe ao treino operatório, e o problema com as fracções surge mesmo, posteriormente, nas universidades, por falhas de ensino eventualmente assim (e aqui) geradas. Também o recurso exagerado a calculadoras – denunciado por Andrei Toom – na comparação entre o ensino russo – melhor – com o norte-americano – menos bom - pode constituir um problema para nós.
Somos com Daniel Sampaio quando este aconselha famílias e escolas a debaterem as questões trazidas pelos livros e conferências que vêem sendo organizadas sob a égide de António Barreto, na Fundação Francisco Manuel dos Santos. Permite-nos compreender melhor o país e, assim, exercer uma cidadania mais consciente. O carácter excessivamente realista dos programas é um fio que liga as denúncias de Maria do Carmo Vieira quanto ao que vai mal no ensino do português e aquilo a que os denunciadores da perspectiva construtivista na educação apontam também ao ensino da Matemática. Estas e muitas outras questões emergem, quanto à Matemática, no mais recente “Fazer contas ajuda a pensar?”. Vale a pena debater em casa, na tertúlia de amigos, no trabalho e, claro, na escola.
Boa Semana
Pedro Miranda