Divulgação informativa e cultural da Escola Secundária/3 Camilo Castelo Branco - Vila Real

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Apresentação do livro " Os Filhos da Madrugada", de Anabela Mota Ribeiro


 

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Saramagueando ( comemoração dos 100 anos de José Saramago)

 

[E depois de ver...]

Estamos livres, os guardas desapareceram… Não sei se ficaram cegos ou se morreram, sei apenas que já não estão aqui e que isso nos dá uma liberdade que me atormenta… Não que gostasse de estar aqui, não gostava, mas pelo menos estávamos “seguros”; cá fora não sei como está o mundo, não sei quantas mais pessoas veem, se é que alguém além de mim vê…

Deixamos o lugar para trás e dedico-me agora a procurar a nossa antiga casa, a cidade está de rastos, não reconheço nada disto, não parece realidade… Há carros parados no meio da estrada e parece que todas as ruas são iguais, bem, todas estão igualmente destruídas, preenchidas de um caos que nunca pensei que veria…

- Temos que chegar a casa, não sei durante quanto mais tempo vou conseguir ver e não podemos ficar na rua, é demasiado perigoso.

No caminho para casa vejo o horror das pessoas que estão na rua, elas lutam por tudo o que têm, mesmo que não saibam bem o que é nem com quem estão a lutar… É incrível como mesmo na miséria a ganância prevalece, e não o vejo só nas ruas; já lá, onde todos lutávamos para sobreviver, nos pediram os nossos pertences mais valiosos em troca de comida, não entendi porquê, ninguém iria conseguir usá-los para que alguém os visse e elogiasse, apenas eu posso ver e eu não faço distinções entre as pessoas pelos seus bens…

De repente, no caminho para casa, olho para o lado e vejo o supermercado onde costumava ir, as portas estão partidas, os vidros que costumavam ser parede também… Peço a todos que esperem por mim enquanto entro e procuro algo que nos possa ser útil. Está deserto, tudo o que havia aqui foi destruído ou roubado, desço para o armazém, mas alguém o encontrou antes de mim, está semeado de corpos e o cheiro não se aguenta. Volto para perto dos meus e conto-lhes as tristes novidades; resta a esperança de que algo em casa se tenha salvado. Já não estamos longe, apenas uns metros até chegar…

Chegamos a casa e por um milagre a chave continua na caixa do correio, pego nela e, como quando entrei pela primeira vez nesta casa, sou consumida pela ansiedade, este lar, que fez da menina mulher, agora vê-a a chegar desfeita, que tristeza, queria que nada fosse real… Abro a porta e tudo permanece intacto, é como se o tempo tivesse parado aqui para preservar o que fomos obrigados a deixar para trás…

Peço a todos que entrem e que fiquem à vontade, mesmo que eu não esteja… sinto que não pertenço aqui, que estou a invadir algo que não é meu...

A noite chega e por mais voltas que dê na cama não consigo dormir, não sei como tudo será daqui para a frente, não há nada a ser produzido e o que restava já foi consumido… Digam-me que isto não é o fim, que não acaba assim… Quando abro os olhos para limpar as lágrimas… nada, fiquei cega…

Acordo aflita e comigo acorda o meu marido que segura a minha mão e me diz:

- “Tem calma, foi só um sonho, eu estou aqui, estás bem.”

Texto realizado por Sara Costa, 11º C, a partir da visualização do filme "Ensaio sobre a Cegueira", na disciplina de Filosofia.