Do mais recente livro do filósofo Rob
Riemen, "O regresso da princesa Europa", um excerto inspirado e
inspirador (na demanda do que permanece).
A primeira coisa que aprendeu com Platão
foi que a verdadeira Filosofia é metafísica. É a Filosofia que ultrapassa o
empirismo, o mundo quotidiano, porque procura compreender o significado mais
profundo do que é ser humano. É isso que torna única a cultura europeia. A
Europa não é uma tradição de costumes que passa de geração em geração, não, a
Europa é antes de mais essa busca da verdadeira humanidade. Qual é a essência
do ser humano? Bom, isso é o que Sócrates sublinha em quase todas as suas
conversas: é a alma, a alma imortal o que faz um ser humano, humano. A posse de
uma alma significa que os seres humanos são as únicas criaturas plenamente
cientes da sua própria vulnerabilidade, da sua mortalidade. É essa a ansiedade
fundamental que qualquer homem ou mulher sente. Ao mesmo tempo, é às nossas
almas que temos de agradecer a nossa grandeza, porque nos permitem conhecer o
absoluto, o eterno, o que não é transitório: a verdade, o bem, a beleza, o
amor, a justiça. Ecce homo. A grandeza dos seres humanos é a sua capacidade de
tornarem seus, com o tempo, estes valores espirituais, que são eternos. É
também esse o propósito de todo o grande artista, permitir-nos ter a
experiência deste mundo imperecível (...) Pelo que a linguagem do poeta, a
linguagem das Musas, é um dos mais importantes dons que nos foram concedidos. É
nessa linguagem que aprendemos a conhecer o Logos, o significado daqueles
valores espirituais, expresso por palavras. O palavreado dos media, a conversa
oca dos políticos, o discurso de vendas do comércio, o jargão vazio dos
académicos, tudo isso, literal e figurativamente, nada diz. Porque é desprovido
de significado. O cuidar da alma, a capacidade de dar ao eterno um lugar no
tempo, é isso a Filosofia. Dá-nos a todos a capacidade de nos erguermos acima
de nós próprios, de darmos o melhor de nós, de nos transformarmos, e de darmos
à verdade e à justiça uma morada neste mundo. Por isso, a essência da
Europa não é a política, ou a economia, ou a tecnologia, não, é a cultura. Nada
mais. Não é por acaso que o nosso conceito de cultura tem origem na afirmação
de Cícero: Cultura animi, filosofia est. O cultivo da alma, é isso a filosofia.
Palavras sábias, que lhe foram ensinadas por Sócrates, e todos os europeus de
verdade deveriam tê-las gravadas nos seus corações. Em prol desse cultivar da
alma, em prol da busca contínua desses valores espirituais e do esforço de os
tornar nossos, em prol de todas essas coisas, qualquer filosofia digna desse
nome é sempre metafísica. A filosofia nunca pode ser uma doutrina ou ideologia,
pois o bem, o belo e o verdadeiro não podem jamais ser captados numa só forma.
Esta busca, este cuidar da alma, este esforço de viver em verdade e de tornar o
mundo justo nunca estarão completos. O que significa que ser europeu é acima de
tudo um estado de espírito, e a Europa nunca está completa. Ser europeu
significa também lutar, lutar por uma sociedade europeia humanista em que o que
é central na educação não é o indivíduo mas a ideia do ser humano -
principalmente nas universidades onde os jovens podem adquirir uma consciência
cultural e moral, onde se cultiva a alma humana de modo a que as pessoas se
tornem moralmente maduras e sejam guiadas na sua sociedade por um desejo de
verdade e justiça. Porque só isto, o cuidar da alma - o desejo que a alma tem
de ser alimentada pela verdade e a justiça e de viver num mundo verdadeiro e
justo - só isto pode ser a bitola, a linha orientadora para um mundo que quer
ser civilizado.
Rob Riemen [aqui, dando voz a Radim, um
dos intervenientes num conjunto de conferências-debate em que o filósofo também
participaria, mas que pode ser visto em chave de uma leitura em que
personagens-tipo como o padre que pretende restaurar a Cristandade, Sashi, o
deslumbrado tecnológico, ou Radim o velho sábio, Walter, o humanista que
desfaz as ilusões da religião do cientismo, expressam um conjunto de pontos de
vista acerca do modo como responder para que a princesa Europa regresse
verdadeiramente ao proscénio da história], O regresso da princesa Europa,
Bizâncio, 2016, pp.98-102.
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