Cabo das Tormentas, 6 dias após a partida da
Baía de Santa Helena
Meu caro diário,
Não sei como te conte o
que assisti na última noite. Sem dúvida, foi um momento assustador para todos
nós! Juro-te por Deus que não é alucinação minha!
Portanto, como devo
começar? Ah! Já sei! Tinham já passado cinco sóis desde a nossa partida da Baía
de Santa Helena – um lugar bastante interessante, mas isso fica para outro dia!
Parámos lá para nos abastecermos de água potável e de outros mantimentos, pois
estávamos quase a desidratar e cheios de fome. Estava exausto, visto que
passara o dia inteiro a limpar o convés e assumi o comando do leme, juntamente
com o nosso valente capitão e outro marujo. Quando, por fim, o Sol se escondeu,
acabei por adormecer encostado a um a barril.
De repente, acordei com o
marujo Nando a chamar-me e, como é obvio, assustei-me, ainda que um pouco
inconsciente. Os meus olhos olharam para a frente, e viram todos os marinheiros
a andar de um lado para o outro, descontrolados. Somente Vasco da Gama estava
no leme, parado, olhando para cima, estupefacto com a gigantesca nuvem negra
que se ia estabelecendo sobre as nossas cabeças. Levantei-me de imediato e só o
ouvi a questionar-se sobre o fenómeno que ali acontecia.
Subitamente, aparece-nos
uma figura feia, grande e com uma voz grossa e horrenda, que nos fez arrepiar
de medo. Porém, o capitão, com a colaboração de todos nós, enfrentou aquele
mistério de mostrengo que ali surgiu e conseguimos, felizmente, ultrapassar o
nosso pior momento neste barco até agora, com a nossa grande coragem, apesar
dos longos tempos em que aqui temos estado. Foi verdadeiramente algo difícil de
explicar e diferente de tudo o que eu já tinha visto! Estava tão confuso que
aquilo parecia fantasia! Mas não era!
Finalmente, tive força,
vontade e tempo para te contar este sucedido, que ficará para sempre na minha
memória e, com certeza, deverá ajudar-me a tomar outra atitude numa próxima
vez, caso haja!
Obrigado por me ouvires,
Marinheiro Luís
Tomás Cardoso, nº 26, 9º E
20 de
outubro de 1497
Querida Mariana,
Já
devem ter passado entre 4 a 5 dias desde que partimos de Baía de Santa
Helena... Por agora está tudo bem, tirando o facto de não conseguir parar de
pensar em voltar a ver teus olhos e sorriso... Admito que ultimamente penso
muito em ti, no quanto querias embarcar e ver o mundo, portanto comprei este
diário em Santa Helena, para que te possa retratar a vida em alto mar.
Para
dizer a verdade, a vida aqui é horrível: todos os dias acordo coberto de sal,
muitos dos nossos amigos adoeceram e o balançar das naus dá cá uma vontade de
vomitar! O pior é quando chega uma tempestade, e temos que nos amarrar uns aos
outros para não escorregarmos! Ah, e existe água, água por todo o lado e
nenhuma gota para beber!
Algum
dia me imaginaste, a mim, o teu rapaz de Trás-os-Montes, como o braço direito
do capitão de um navio? Pois bem, eu não, mas visto que sou daqueles que melhor
se aguentam em alto mar, o senhor Vasco da Gama conta comigo. Espera: tenho que
ver o que se passa, o mar está a ficar atribulado...
22 de
outubro de 1497
Ele
já se foi, mas ainda tremo só de pensar... No outro dia, parei de escrever
porque conheci o meu maior pesadelo. Chamam-lhe Adamastor e é simplesmente a
personificação do Cabo das Tormentas!
Apareceu
de noite, quando nenhum de nós esperava, com uma voz grave como o mar, os seus
cabelos eram raízes e todo ele era rochedo! Quando o viu, o capitão, que cada
vez admiro mais, não temeu e perguntou-lhe quem era. Na minha opinião, foi esta
pergunta que nos fez sobreviver. O monstro elogiou a nossa ambição, mas acabou
por nos rogar as mais terríveis pragas! Agora que penso nisso, até se assemelha
ao velho do Restelo...
Apesar
de ter o poder de nos matar a todos, o monstro limitou-se a responder à
pergunta do capitão, revelando que foi vítima do amor cruel... depois disso,
até comecei a simpatizar com ele. Esquece! Ele era tão aterrorizador que isso
era impossível! Seguidamente, o monstro desapareceu, deixando as embarcações
devastadas... Agora, muitos dos marinheiros não falam, e o Nando ainda treme...
Estão
a chamar por mim…
Sempre
teu,
Toni
Mariana
Costa, nº 17, 9º E
Belém, 8 de julho de 1497
Já acordado pela húmida manhã, olhava pela janela pensando se
estaria certo partir com a possibilidade de não voltar.
Chegado ao porto de Lisboa, vi um alvoroço enorme, cheio de
lágrimas por aqueles que partiam.
O meu amor, no meio de todo o sofrimento, mágoa e profunda
dor, chorava por mim como se me estivessem a empurrar para o abismo. O seu
olhar lindo mas revolto por me ver ir é algo que nunca me irá escapar da
memória. E estariam certos? Estaria eu destinado a morrer no mar como um peixe
perdido em mares nunca outrora navegados?
Tudo isto não importa, a mágoa fica por deixar em terra quem
me ame, mas a minha decisão não muda.
A hora chegou, tínhamos de embarcar, algo grandioso nos
esperava e eu, correndo por entre a tripulação, procurava em terra um beijo
perdido do meu amor que ficará guardado em meu coração para sempre.
Porém, muitas tempestades ainda iria eu arrostar, ondas insofridas
por ultrapassar, revoltos ventos e tormentos por enfrentar, mas nada disto me
fez arrepender da minha decisão pois uma força maior me empurrava para seguir
em frente.
Aqui na nau as tarefas são divididas por toda a gente, hoje
fiquei com a função de limpar o convés enquanto reparava na imensidão que nos
rodeava e no meu capitão e seu irmão que planeavam nossa rota.
Fui chamado várias vezes à atenção por estar distraído - «Reis, acorda, rapaz! Ata essa corda!» - e
parar as minhas funções a meio, apenas para ficar a olhar, a contemplar a
imensidão azul. O mundo fascina-me demasiado.
Não consigo prever o futuro, mas se morrer nesta viagem, só
espero que as falésias e o mar lá estejam para me guardarem em sua memória.
Bom, amanhã será outro dia, agora vou jantar com o resto da tripulação.
Ana Reis, nº 4 – 9º H
8 de julho de 1497, Lisboa
Depois de uma longa semana de viagem
desde Pomarelhos até Lisboa, pensei na despedida. Não sei se essa despedida me
convenceu a ficar ou a ir. Provavelmente a ir, visto já estar na capital, mas
não sei se fico por aqui e volto para a aldeia ou se vou mesmo. A minha decisão
não é final devido ao caos emocional presente no meu interior.
“Ribeiro, tem cuidado com os enjoos.
Ribeiro, não te esqueças da merenda para a viagem. Ribeiro…” todos estes avisos
foram proferidos pela minha avó com o possível objetivo de me fazer perder a
carroça que me transportaria até à capital. Mas, a despedida com o meu pai, a
minha mãe e a minha avó, família que não esquecerei por me acolher desde que
nasci, me acalmou quando necessitava. Não quero pensar nos abraços
desesperados, nos choros aflitos da parte da minha progenitora, do engasgamento
presente nas palavras proferidas por meu pai e, sobretudo, na tristeza na face
da minha avó que possivelmente não me verá mais.
Tudo isto abandonei por uma causa importante:
a viagem por mar até às Índias, onde existem riquezas mil. Acabei de decidir:
vou-me em viagem. Afinal toda aquela melancolia tem de ter um propósito. Creio
que até seria uma desilusão para todas as pessoas da minha terra se
regressasse!
9 de julho de 1497, Alto Mar
Hoje conheci muita gente importante:
Vasco da Gama, o capitão, o seu irmão Paulo da Gama e, ao longe, ontem, tinha
visto el-Rei D. Manuel I. É de facto uma honra.
No
entanto não é só de honras que é feita esta viagem: primeiramente (des)gostaria
de lembrar a quantidade de vezes que vomitei durante o dia de hoje devido à falta
de habituação à navegação no alto mar. Acredito que o mar até elevou a sua
altitude por causa da quantidade de gente que vomitou naqueles primeiros
momentos.
Depois
de as pessoas se acalmarem, passámos a uma pequena missa para que Deus nos ajudasse
durante a jornada. Mas, eis senão quando, na parte da comunhão o vinho faltou.
O que é certo é que antes do evento, assistimos à queda de um dos marujos da
caravela. Acredito que seja apenas uma coincidência ou um sinal de que Deus
está connosco (e com o vinho também).
O
que quero neste momento é imaginar as nossas peripécias, a quantidade de
monstros que vamos enfrentar, as novas pessoas que vamos conhecer e a
quantidade de riquezas que vamos acumular.
Algo
que eu não mencionei é o nome que os meus companheiros me deram: o Poma. É uma
alcunha engraçada que ainda vai ficar conhecida das gentes da minha aldeia.
José
Francisco Ribeiro, nº 9 - 9.º H
1 comentário:
Estes textos, entre ouros, foram escritos pelos alunos das turmas E e H do nono ano, na disciplina de Português, no âmbito do estudo de «Os Lusíadas». Foi-lhes pedido que vestissem a pele de um dos marinheiros da armada de Vasco da Gama e imaginassem uma página do diário desse marinheiro. Os alunos estão todos de parabéns como se pode ver por esta amostra.
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