Divulgação informativa e cultural da Escola Secundária/3 Camilo Castelo Branco - Vila Real

domingo, 10 de outubro de 2010

POLÓNIA

Excelente iniciativa do grupo de estudos alemães da UTAD: a proposta de reflexão sobre a Polónia, através de uma exposição sobre o movimento Solidariedade (patente, até finais de Outubro, nos Paços do Concelho e, mais tarde, na biblioteca da UTAD), a conferência que teve lugar na semana que passou, na universidade, sobre a mudança/transição/conversão da Polónia à UE e suas regras político-económicas, o ciclo de cinema polaco previsto para o teatro municipal entre Janeiro e Fevereiro e, ainda, o programa de rádio, nesta casa, dedicado àquele país – a ir para o ar em Dezembro - mostra um grupo de estudos alemães atento a um conjunto muito importante de realidades: a necessidade da universidade não ser uma ilha, antes devendo comunicar – mostrando o melhor – sobre uma dada cultura, as questões prementes de uma época, ajudando, assim, a qualificar o espaço público; a urgência de reflectir sobre um tempo, ainda próximo, que significou muito de reconfiguração do mapa europeu, suas lutas, economia, mentalidades, combate cultural (e a proximidade temporal com os factos faz com que eles ainda não estejam suficientemente explorados nos manuais de história, no ensino secundário, pelo que, por exemplo, a ignorância do movimento solidarnosc é quase total entre a população universitária); a percepção de que a parte Oriental da Europa, em virtude do expansionismo estalinista, tornou-se reduto quase impenetrável e insondável para os ocidentais europeus (um desconhecimento mútuo que durou cerca de meio século); a compreensão de que o movimento erasmus está a ser determinante neste reencontro, contribuindo, decisivamente, iniciativas como esta, para nos ambientarmos com outra naturalidade (o outro passa a ser um não total desconhecido); a constatação de que Vila Real deve receber com hospitalidade e conforto os alunos polacos e, também, com eles, poder aprender.
Na experiência recente polaca, poderemos notar como a maturidade da sociedade civil foi indispensável para que a solução de liberdade pudesse emergir de modo não violento: o primeiro regresso de João Paulo II a casa teve uma reacção contida, mas desembocaria mais tarde, um ano depois, na criação do movimento solidarnosc (o solidariedade) de resistência – mais do que política, cultural – ao regime comunista; como um movimento sólido, com fundamentos claros e apoio societário é exemplo e pode contagiar países vizinhos: foi assim que sucedeu, com o sucedâneo movimento Sajudis, na Lituânia; como a memoria é um ingrediente extremamente interessante de racionalizar: desde o museu Solidarnosc, à perseguição daqueles que foram membros do regime comunista e passaram para a função pública do novo regime, até sondagens em que uma percentagem considerável dizia ser preferível a vida anterior (dados de 1998), tudo se encaminha para a radicalidade da dúvida: somos seres capazes de aprender com a memória, o regresso à história consegue mesmo impelir-nos a não trilhar caminhos errados e tortuosos de novo? (e aí viajaríamos com Reinhart Koseleck em busca de respostas); como, após décadas de partido único, se semearam partidos até à exaustão (em 1991 existiam, note-se, 105 partidos oficiais na Polónia); mas, como a normalização democrática foi levando, ao invés e sucessivamente, menos gente às urnas; tendência novamente invertida sempre que uma figura especialmente carismática se abalançava a eleições (algo que o culto de personalidade patente nas sociedades do chamado Leste europeu, durante décadas, potenciou); como o mais importante, talvez, que a identidade de um povo e de um país – no fim do sec.X, Mieszko I criou um estado polaco e, com a sua conversão ao cristianismo fortaleceu notavelmente as suas bases identitárias, que assentariam raízes mesmo quando populações e territórios foram despedaçados pelos vizinhos, russos sobretudo, desde logo no séc.XVIII, mesmo com os terríveis sofrimentos (deportações, execuções) durante a II Guerra Mundial – não poder ser traída ou negada por qualquer tipo de arrivismo, lideranças torpes e impreparadas, ignorância ou ambição desmedida. Hoje, Portugal bem precisa de aprender esta lição. E ao grupo de estudos alemães, após o ciclo dedicado à queda do muro de Berlim, deve ainda ser creditada a tal visão de universia, de integrum, de conjunto, de uma universidade que é, que deve ser mais do que as técnicas e a linguagem de cada oficio. E na Universidade Moderna, como dissemos na última semana, a ideia da literatura como sendo o elo de ligação para uma cultura comum como que se impôs a filosofia. Algo que o prémio Nobel da Literatura 2010, Vargas Llosa explicava assim num artigo na New Republic, (ler na íntegra e em português em www.tirodeletra.com.br) em 2001: "Vivemos numa época de especialização do conhecimento, causada pelo prodigioso desenvolvimento da ciência e da técnica, e da sua fragmentação em inumeráveis afluentes e compartimentos estanques. A especialização permite aprofundar a exploração e a experimentação, e é o motor do progresso; mas determina também, como consequência negativa, a eliminação daqueles denominadores comuns da cultura graças aos quais os homens e as mulheres podem coexistir, comunicar-se e se sentir de algum modo solidários. A especialização leva à incomunicabilidade social, à fragmentação do conjunto de seres humanos em guetos culturais de técnicos e especialistas, aos quais a linguagem, alguns códigos e a informação progressivamente setorizada relegam naquele particularismo contra o qual nos alertava o antiquíssimo adágio: não é necessário se concentrar tanto no ramo nem na folha, a ponto de esquecer que eles fazem parte de uma árvore, e esta de um bosque. O sentido de pertença, que conserva unido o corpo social e o impede de se desintegrar em uma miríade de particularismos solipsistas, depende, em boa medida, de que se tenha uma consciência precisa da existência do bosque. E o solipsismo - de povos ou indivíduos - gera paranóias e delírios, as deformações da realidade que sempre dão origem ao ódio, às guerras e aos genocídios. A ciência e a técnica não podem mais cumprir aquela função cultural integradora em nosso tempo, precisamente pela infinita riqueza de conhecimentos e da rapidez de sua evolução que levou à especialização e ao uso de vocabulários herméticos. A literatura, ao contrário, diferentemente da ciência e da técnica, é, foi e continuará sendo, enquanto existir, um desses denominadores comuns da experiência humana, graças ao qual os seres vivos se reconhecem e dialogam, independentemente de quão distintas sejam suas ocupações e seus desígnios vitais, as geografias, as circunstâncias em que se encontram e as conjunturas históricas que lhes determinam o horizonte. Nós, leitores de Cervantes ou de Shakespeare, de Dante ou de Tolstoi, nos sentimos membros da mesma espécie porque, nas obras que eles criaram, aprendemos aquilo que partilhamos como seres humanos, o que permanece em todos nós além do amplo leque de diferenças que nos separam. E nada defende melhor os seres vivos contra a estupidez dos preconceitos, do racismo, da xenofobia, das obtusidades localistas do sectarismo religioso ou político, ou dos nacionalismos discriminatórios, do que a comprovação constante que sempre aparece na grande literatura: a igualdade essencial de homens e mulheres em todas as latitudes, e a injustiça representada pelo estabelecimento entre eles de formas de discriminação, sujeição ou exploração."

Pedro Seixas Miranda

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