Divulgação informativa e cultural da Escola Secundária/3 Camilo Castelo Branco - Vila Real

domingo, 29 de março de 2020

Sala 17


Tocou, finalmente!...

Todos saíram em alegre balbúrdia:
Era sexta-feira
Era dia 13
Eram 13 e 15!
Vamos p´ra casa
Vamos comer
Vamos bulir
Vamos sair
Vamos curtir!
Na natural desordem
Na assumida anarquia
Ninguém deu conta que aquela
Era a última aula
Que aquela vez,
Era a última vez
Na natural desordem
Da turbulenta adolescência
Ninguém ouviu a campainha chorar
A porta ranger
A janela tremer!

Ninguém verteu a primeira lágrima!
Num ápice o mundo rodou
E um manto sombrio de mim te apartou:
Bruscamente, 
Abruptamente
Brutamente!
Agora tudo mudou!
As rotinas esfumaram-se
As certezas dissiparam-se
Os abraços interditaram-se!
As salas encheram-se de vazio,
Os corredores de frio
O recreio de silêncio sombrio.
As cadeiras coloridas!...

Onde estão as cadeiras coloridas!?
O arco-íris!... 
Ainda pinta os céus!?
Tenho saudades!

Tenho saudades de um passado cancelado
Tenho saudades de um presente cortado
Tenho saudades de um futuro adiado! 
Tenho saudades de Ti!
Fugimos para casa 
Ao som de uma ordem
Sofrida
Sentida!
Não querida!
Alguém não COVIDADO impôs-nos o fardo
Este fado: 
O isolamento total para combater o inimigo mortal.
O mundo está uma confusão
A minha mente um turbilhão.

Sinto-me triste.
Umas vezes sinto-me cansado
Outras exausto
Um dia sou Leão
Outro um mero peão.
E tu, onde estás?
O que fazes com o tempo?
O que inventas para preencher o vazio?
Também sentes o silêncio do escuro?
Também sentes a melancolia do nada?
Mandaram-me para casa, 
E eu vim
Mandaram-me isolar-me
E eu cumpri!
Afastaram-me de ti
E eu só vi
E eu anuí!
Onde está o meu 9º E?
O meu 9º E, já não é!
Fragmentou-se em casas
Em cacos
Em pedaços de vozes
Em algoritmos
Em imagens virtuais
Em senhas 
Em logins
Em Apps
Em Pins.

Sou um fragmento 
Sou um caco
Uma legenda em rodapé
Uma memória
Do meu 9º E!

Está frio neste março sem pavio.
De manhã, levanto-me…
Vou à cozinha… e pronto.
Viro-me
Descanso o olhar na negra Pasta adormecida:
Percorro memórias
Revivo histórias 
Recordo episódios sentidos
Relembro dias repletos
De números, ficções e dialetos
Lembro agendas apressadas
Cumpridas por musas aladas
Que voavam para palcos inventados
Rumo a destinos sonhados!

A minha cozinha está fria.
Estou cansado do sofá
Estou cansado da net e da TV
Estou cansado do que se ouve 
Do que se vê e antevê
Levanto-me
Espreito o mundo
Pela janela da minha fria cozinha.
Lá fora faz sol!...
É a Primavera a chegar!?
É a esperança a voltar!?
O meu jardim anuncia a Esperança!?
É pequeno o meu jardim
Tem rosas e lírios
Um limoeiro raquítico
Cinco ou seis promessas de videira
E um tapete de relva esquecido.
Está triste o meu jardim:
A relva despenteada
Os lírios fechados
As rosas envergonhadas.
Mas!...

Olho
Vejo 
Reparo
Num dos quatro cantos,
Para meu espanto,
Uma fonte de cor se destaca!
É uma flor?
Abro a porta
Dirijo-me ao pátio
Desço as escadas
Em passos 
Apressados
Curiosos
Ansiosos!...
Num ápice estou ao pé de uma flor!
Não sei o nome desta flor.
Na verdade, não sei o nome de quase nenhuma flor!
Não é uma videira 
Não estrangula
Não é uma Rosa
Não tem espinhos
Não é um lírio
Não é efémera
Não sei o que é
Mas sei que é linda!...
Contemplo-a…
É forte!
Tem boas raízes
Que a ligam ao nutritivo solo.
É amistosa!
Espraia-se, mas permite que outras 
Se alimentem do Sol.
Toco-lhe!
Tem folhas verdes
Muitas folhas verdes
De um verde aveludado!
Acaricio as suas folhas e sinto o conforto de uma textura ética!
É uma flor com a divina forma do círculo
Composta por muitas pétalas elíticas.
Lindas!...
Não são todas exatamente iguais.
É bom:
A assimetria confere-lhe exotismo
A diversidade modernismo.

É única esta flor de pétalas cor -de - sol 
De pétalas de Luz
De pétalas de vida!
É linda a flor do meu jardim!...
Sou afortunado por ter este jardim!
Sou feliz porque tenho o melhor jardim do mundo!
Tenho sorte porque colori o meu jardim,
Por um acaso do Destino
Por uma bênção de Deus
Ou apenas porque sim…
Com a flor mais bonita do mundo!
Não sei como se chama
Não sei como lhe chamam
Eu vou chamar-lhe “Nonoé”
O meu”Nonoé” 
Não é pedaço
Não é estilhaço
É um todo
Em cada um!
É lembrança 
É Esperança
É estética
É ética
É um eterno em mim
É um pedaço de mim!...
O meu 9º E!...
Sonho e desejo ter um pouco de mim em todos vocês!

Ângelo Lêdo

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