Divulgação informativa e cultural da Escola Secundária/3 Camilo Castelo Branco - Vila Real

quarta-feira, 21 de abril de 2010

ENTREVISTAS IMAGINÁRIAS - GEORGE STEINER

1. Num dos seus últimos livros, OS LIVROS QUE NÃO ESCREVI [MY UNWRITTEN BOOKS, 2008], propõe um quadrivium, quatro disciplinas fundamentais [Matemática, Música, Arquitectura e Ciências da Vida] que formariam a literacia básica de uma base conceptual comum (aos homens e mulheres de todo o mundo). E, face às mutações na Ética, no Direito, na Demografia ou Políticas Sociais que as últimas descobertas ao nível da biologia molecular e na genética podem gerar, afirma impor-se uma introdução, ainda que limitada, destas duas áreas – a biologia molecular e a genética – a todos os jovens estudantes (e até aos adultos que queiram ser cidadãos conscientes). A questão é: as palavras, já com várias décadas, de C.P.Snow – autor de que fala, aliás, nesta obra – sobre as duas culturas, não são, a este respeito, particularmente válidas, quando a problemática dos meios – oferecidos pelas ciências naturais e da vida – e dos fins – a que as ciências humanas costumam responder – parece, também hoje por hoje, não se harmonizar, com um fractura extensa entre estes dois mundos? Dito de outro modo, estará a filosofia a dialogar com a genética?
2. A este propósito, ainda, das mudanças suscitadas pelo avanço científico (genético), como observa as provocações do filósofo alemão Peter Sloterdijk, em REGRAS PARA O PARQUE HUMANO [REGELN FUR MENSCHENPARK], quando assinala que o humanismo como utopia de domesticação humana por meio da leitura falhou, face às técnicas de desinibição das massas? Isto, também e por outro lado, à luz das reflexões do Prof. Steiner sobre a relação entre barbárie e cultura. Com esta pergunta: estamos destinados a utilizar antropotécnicas – genéticas – para domesticar o Homem? E aí, que espaço para a liberdade humana? Têm razão Alvin e Heidi Tofler quando nos dizem que a grande questão dos próximos 50 anos é a definição do humano (o que é humano? o que é o humano?)?
3. Voltando a MY UNWRITTEN BOOKS, é lá que escreve: “o que subjaz à crise das humanidades é a erosão da religião organizada”. Gostava que desenvolvesse esta ideia.
4- Reflecte, igualmente, sobre as transformações cerebrais que as novas tecnologias de informação e comunicação (TIC´S) podem e estão a introduzir em todos nós e, consequentemente, também ao nível do ensino. “Certas ideias fundamentais, quase imutáveis desde a Antiguidade Clássica, estão em processo de transformação”. A que ideias, em concreto, se refere?
5- Explica as circunstâncias históricas, sociais, culturais que fazem com que seja muito difícil proceder a comparações entre vários sistemas de ensino, de diferentes latitudes mundiais. Em todo o caso, relaciona a educação inglesa com o anti-intelectualismo reinante no país (que, no entanto, levou a que o cepticismo para com a abstracção e a retórica impedissem os totalitarismos de desaguar na Grã-Bretanha); com ironia, refere-se ao prestígio e importância que a educação e os professores tiveram ao longo da História Francesa (“O Juízo Final será, suspeito, um concurs presidido por examinadores franceses”). Para finalizar, e sobre os EUA, “ao nível realmente de topo, a formação universitária americana é incomparável”. Fale-nos destas experiências, Professor.
6- Em termos políticos, a Democracia é alvo de várias referências suas. Vê-a como um regime que permite a passividade – e o senhor Professor nunca votou – e o desinteresse. E denuncia um mercado livre, de massas, que nivela o ensino por baixo. É mais incisivo e provocador, inclusivamente: “a justiça social não é solidária da excelência. Nivela por baixo (…) A democracia desconfia da solidão (…) O igualitarismo pode reduzir a educação de massa a uma impostura”. Ora, perante tal diagnóstico, o que deve um político fazer, em sua opinião, para não deixar de lado a justiça social e, simultaneamente, a excelência no ensino? São mesmo incompatíveis estas duas realidades (simultâneas)? Também escreve que a esmagadora maioria das pessoas não tem preocupações políticas (maxime, liberdade de expressão) desde que as necessidades mais básicas estejam satisfeitas, e que mesmo em regimes opressivos a criatividade não deixou de florir. A dificuldade – mesmo em termos políticos – aguça o engenho?
7- Em Portugal, tem-se aludido a experiências educativas não europeias – como Coreia do Sul ou Singapura – como estimuladoras na melhoria – na qualidade e exigência – no ensino português. Como olha para tais realidades (sabendo-se, por outro prisma, das taxas de suicídio jovem na Coreia do Sul)? Quais os limites da competição, da exigência, da importância da escola? Que opinião tem – e esta é outra questão muito discutida em Portugal – sobre a publicação de rankings sobre os desempenhos dos alunos, por cada escola?
8- Em O Silêncio dos Livros, mostra-se muito céptico quanto ao futuro do livro. Pessoalmente, rejeita qualquer outra forma de lidar com o livro que não o modo tradicional? Não vê qualquer potencialidade no e-book ou no audiolivro, p.ex? Apesar dos livros, a memória de algumas ideias da Antiguidade Clássica puderam, como reconhece, manter-se. A memória, e essa civilização que esta continha, estão mesmo condenados a desaparecer? Gosta do mundo em que vive ou perdeu, em definitivo, a paciência para gerações que, como diz num livro de entrevistas com o Prof. Ramin Jangenbloo, precisam, incessantemente, de mais e mais notas de rodapé para conseguirem compreender os clássicos, de que é tão devoto?
9- Há escassos meses foi reeditada, em Portugal, a sua autobiografia (intelectual), Errata. No nosso país, escreveu-se que o Senhor Professor é muito admirado (também) por ser sinónimo de uma época que já não regressa – uma época em que o menino é formado num ambiente trilingue, obrigado a decorar versos de Homero, tem aulas com uma pequena escocesa especialista em Shakespeare, vai todos os Sábados com o pai a um museu, em diferentes cidades, onde a errância judaica o obriga a viver, formando, como diz, um verdadeiro Talmude Secular, capaz de lhe proporcionar alguma sabedoria – um Mestre de um mundo desaparecido (um mundo em havia tempo para o tempo, em que as línguas clássicas eram valorizadas, em que a memorização tinha uma grande importância, em que a Alta Cultura, mesmo por quem não a praticava, era considerada). Reconhece que é uma Autoridade no mundo em que esta – no sentido de auctoritas – se perdeu? Ou, ao invés, esta admiração pelo saber enciclopédico e profundo do Prof. Steiner não é um reconhecimento, paradoxalmente, dos valores do conhecimento, do estudo, do classicismo, do cosmopolitismo? Ou, ainda, uma autopercepção de uma cultura vazia – mas o tópico da decadência não acompanhou tantas épocas? O que singulariza esta, neste âmbito? – que o deve colocar numa redoma de vidro, por o Senhor Professor ser uma excepção ao espírito do tempo? Mas essa autocompreensão não seria, afinal, sinónimo de uma postura mais exigente e autocrítica do que seria de esperar da sociedade que critica?
10- Algumas das intuições que assume em Presenças Reais – um livro de uma grande sensibilidade, belíssimo e, permita-me a provocação, citado por inúmeros teólogos – vão contra o que chama de politicamente correcto. Gostaria de confrontá-lo com a hipótese por si aventada de, para além das explicações culturais/sociológicas que nos mostram inúmeros constrangimentos à mulher, ao longo dos tempos, de um eventual menor poder de criação (artística) feminina estar relacionado com o facto de a mulher criar biologicamente, dar à luz. Gostava que nos pudesse explicar esta intuição que corajosamente assume nesta obra.
11- Os actuais líderes europeus têm alguma Ideia de Europa (para citar o título de uma outra sua fascinante obra)? Que fronteiras para o alargamento da UE, que base para um entendimento comum, que relações com os EUA, como vê a integração turca na Europa? Conseguiremos ainda sentarmo-nos num café europeu, ou a americanização de que fala far-nos-á prescindir ou esquecer o fardo pesado – o legado de poetas, filósofos, pedagogos – que carregamos? Algum dia – e o tópico das humanidades em perda não poderá levar a essa repercussão? – estaremos numa situação de “amnésia criativa”, de que fala, quando fala dos EUA?
12- Em After Babel, defende que perante as dificuldades que a nossa espécie foi passando, o uso do contra-factual – “e se…” – ou do tempo verbal no futuro – “irei, farei”, etc. – ajudou a ultrapassar dificuldades do – daquele – presente. Mas em várias obras, a reflexão sobre a música leva-o a apreender os muros em que esbarramos, quando esbarramos na linguagem. A música como forma de tocar a transcendência. Sabemos que não gosta de partilhar o privado, mas, ainda assim, arriscamos: o que anda a ouvir? E das entrevistas a Ramin Jangenbloo: porque é que o Otelo de Verdi é superior ao Otelo de Shakespeare? É explicável por palavras?
13- Na última vez que esteve em Portugal, em conferência na Fundação Calouste Gulbenkian, abordou os limites da ciência. Quais os grandes limites - que conclusões se puderam ali extrair – que impendem sobre a ciência, na actualidade?
14- Vamos terminar como começámos, pela educação. Gostávamos que nos contasse um pouco dessa experiência de que fala quando escreve: “nunca tive alunos mais exigentes e mais originais do que dos meus alunos em horário pós-laboral na Universidade de Nova Iorque”.

Muito Obrigado

Pedro Seixas

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