Divulgação informativa e cultural da Escola Secundária/3 Camilo Castelo Branco - Vila Real

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Entrevista a um oleiro de Bisalhães

O senhor Cesário Martins é um oleiro residente na aldeia de Bisalhães. Tem um posto de venda de artigos feitos em barro preto de Bisalhães, na Avenida da Noruega, em Vila Real.

Pedro Folgada e Luís Ribeiro:
“Esta arte nunca se aprende, está sempre a aprender-se!” Bom dia, Sr. Cesário Martins. Somos alunos da Escola Secundária Camilo Castelo Branco, frequentamos o 10º ano. Chamamo-nos Pedro Folgada e Luís Ribeiro. Gostaríamos de o entrevistar, no âmbito da disciplina de Português, acerca da sua actividade. O principal objectivo desta entrevista é conhecer e dar a conhecer esta arte tão apreciada, mas pouco valorizada. Desde já, agradecemos a sua disponibilidade.

Sr. Cesário Martins: Sim senhor, sentem-se aí ao pé de mim, enquanto trabalho. Também vos agradeço o interesse pela arte.
Pedro Folgada: Quando é que começou a exercer este ofício? Sr. Cesário Martins: Foi quando fiz a quarta classe, em 1947. Os meus pais já sabiam esta arte e então ensinaram-ma.
P.F: Então considera a Olaria Tradicional de Bisalhães uma arte…
Sr. Cesário Martins:
É, é sim senhor, uma arte. Mas está a acabar, está em extinção. Não há ninguém que aprenda isto. Sabe, isto dá muito trabalho e depois não há apoio de ninguém e ninguém quer aprender.
Luís Ribeiro: Esta arte é tradição na sua família?
Sr. C.M: É, é uma tradição.
L.R: De onde é que deriva o nome “barro de Bisalhães”?
Sr. C.M: Os antigos dizem que o barro de Bisalhães nasceu em Vila Marim, mas, quando chegou a Bisalhães, ali ficou. Os antigos e os antepassados é que nos contavam isso. Eles até cantavam isso numa quadra: «Vila Marim das panelas, Quintela dos pequeninos, Mondrões dos mal azados, Bisalhães dos bem feitinhos.». Ficou em Bisalhães. Lá não era o lugar original, mas foi lá que ficou. Os outros não lhe deram seguimento e em Bisalhães deu-se. Assim, esta tradição deixou de existir nos outros locais e ficou permanentemente em Bisalhães. Os meus pais, que faleceram com noventa e tal anos, já diziam isso.
L.R: O que significa para si ser oleiro?
Sr. C.M: No tempo em que fiz a quarta classe, os meus pais não tinham possibilidade de me pôr a estudar e ensinaram-me a arte deles. Como acontece quase com todos nós, quando os pais não têm posses ensinam-nos o ofício que têm. Foi o que me aconteceu a mim. Estive nesta arte até à idade de ir para a tropa. Depois vim da tropa e procurei-a porque lhe tenho muita amizade. Esta arte nunca se aprende, está sempre a aprender-se. Fui para a tropa, a olaria não dava nada… “Meu amigo”... naquele tempo era um bocado “pr’ó pesado. Então eu estive ausente durante 30 anos, mas nunca deixei de trabalhar nisto. Sou aposentado da Guarda Nacional Republicana, mas nunca deixei de trabalhar nisto devido à paixão que tenho. Pena é que eu mandei fazer esta roda para ensinar os meus e eles não quiseram aprender, procuraram vida melhor, já a mim não ma puderam dar e a eles já lha deram melhor. Esta arte é bonita mas está a acabar.

P.F: Quais as etapas do fabrico das peças?
Sr. C.M:
Vamos buscar o barro, ele seca ao sol, depois é picado no pio que é uma pedra com um buraco no meio, como a gamela do porco, pica-se ali o barro e depois peneira-se. Leva as “voltas” do pão e depois amassa-se, fica maleável como o que tenho aqui para fabricar as peças. Amassa-se com as mãos que é para retirar alguma impureza que possa ter, pois as impurezas sentem-se com a ponta dos dedos. Depois de a peça estar feita vai para a sombra e mais tarde para o sol e seca. Finalmente é cozido no forno a 800ºC e abafa-se com terra preta durante três, a quatro horas.
P.F: O que é que dá a cor negra ao barro?
Sr. C.M: É a terra e o fumo. Como a louça fica abafada durante três a quatro horas, sem respirar, porque se respirar não coze, adquire a cor negra.

L.R: Que tipo de peças fabrica?

Sr. C.M: Temos o alguidar do arroz que é o “forte” da região, temos a assadeira que é esta que eu estou aqui a fazer, a panelita que é para cozer as batatas e castanhas, temos toda a qualidade, que engloba muitas peças. Temos o pote, a pichorra, a cafeteira para fazer o café, temos as ânforas para pôr flores, potinhos antigos que representam os potes de ferro e tudo tem utilidade.

L.R: Quantas peças fabrica por dia?
Sr. C.M:
As mais fáceis, faço mais, se for mais “ruim”, faço menos. Mas faço sempre uma média de quinze a vinte peças por dia.
P.F: Qual é a sua peça favorita?
Sr. C.M: As minhas peças favoritas são todas, mas há uma que gosto mais de fazer, que é a assadeira.
P.F: Quais são as mais compradas?
Sr. C.M: São a assadeira e o alguidar de arroz.

P.F: Tem encomendas?
Sr. C.M: Tenho, tenho várias e ainda eu rejeito muitas, porque não cobre o gasto. Até tenho muitas cartas para ir fazer feiras. Mas que adianta? Ninguém se responsabiliza pelo transporte e eu não vou com a minha carrinha por aí e por ali a perder e a partir peças. Mas também já participei em muitas feiras. Já fui muitas vezes às escolas, a Marco de Canaveses, à Livração e até já fui ali ao Liceu. Os alunos como vocês já têm mais consciência, mas os mais novos só querem é brincar. Dava resultado por exemplo um de nós ir a uma escola e de entre dez, vinte ou trinta ou cinquenta ou cem alunos, seleccionar aqueles interessados em aprender esta arte.
P.F: Costuma trabalhar sozinho ou também trabalha em equipa?
Sr. C.M: Sozinho, sempre sozinho. Como é manual, trabalha-se sozinho. Não temos ajudantes nenhuns.

L.R: Que ferramentas utiliza no fabrico das peças?
Sr. C.M: Utiliza-se a “sega”, que é uma corda de uma guitarra que corresponde à nota Mi, a roda de oleiro, que é constituída pelo tabuão, umas cruzes de madeira para suportar o tabuão e é tudo feito em madeira de freixo e castanho. Temos muitas ferramentas e são boas, são de pau de amieiro, são os fanadoiros que servem para alisar as peças e uso também os trapos de pano para as alisar. Para as trabalhar uso uma navalha.


L.R: Já foi premiado pelo fabrico das peças?
Sr. C.M: Já, já, mas não foi agora. Foi antes do 25 de Abril de 1974. Agora os prémios são só para os “grandes”, mais conhecidos.
L.R: Acha que o seu posto de venda está bem localizado?
Sr. C.M:
A localização não é má. Nunca fomos assaltados. Mas apoio, não temos, a não ser o actual Presidente da Câmara de Vila Real que nos mandou construir estes barracos. Mas não têm condições, nem sequer têm luz.

P.F: Para além desta loja, costuma utilizar meios ambulantes de venda?
Sr. C.M: Não, mas utilizo quando vou “ali ao São Pedro”. E às vezes, um amigo meu leva-me para Stª Marta de Penaguião para as feiras.

L.R: Em que épocas é que vende mais?
Sr. C.M:
Ao princípio estávamos à espera do Verão, mas actualmente não há grande diferença do Verão para o Inverno. Os turistas vêm praticamente sem dinheiro e dizem às mulheres para gastar o dinheiro delas, para eles não gastarem o deles.

P.F: Pensa que esta arte tradicional transmontana é viável nesta época moderna?
Sr. C.M:
Sim, acho que sim, acho viável nesta época moderna. Se não for isto, o que é que temos aqui em Vila Real? E é moderna. Acabando isto, Vila Real não tem nada. Mas a vida está cara...
L.R: Quais seriam as suas sugestões para a promoção do artesanato regional, em especial do barro de Bisalhães?
Sr. C.M: A minha ideia era boa, mas seria melhor se houvesse apoio de alguém. Assim, não há apoio de ninguém, não se pode fazer nada. Eu não vou sozinho fazer a evolução, não é?

P.F: Gostaria então de nos dizer qual era a sua ideia?
Sr. C.M: A minha ideia era não deixar morrer isto, como na Casa do Douro que caíram os muros e andam agora a levantá-los que é para não acabar o vinho do Porto. E aqui devia ser a mesma coisa.
P.F: E para que não acabasse esta arte, como é que iria promovê-la?
Sr. C.M: Montar uma escola, pagar aos alunos e cativá-los de modo a aprenderem a arte, porque eles também não podem andar a aprender e não ganhar nada. No fundo, formar uma escola para o ensino da olaria, porque se eu não tivesse paixão por isto, não estava aqui.

L.R e P.F: Muito obrigado, Sr. Martins pela sua simpatia, disponibilidade e esclarecimentos, que nos ajudaram a compreender e a conhecer melhor esta arte. Desejamos-lhe boa sorte para o futuro.
Sr. C.M: Obrigado eu, voltem sempre que quiserem.



















Docente: Profª Adelaide Jordão
Trabalho realizado por:
Luís Miguel Cardoso Ribeiro, Nº 20, 10ºB
Pedro Miguel da Costa Folgada, Nº 23, 10ºB
30 de Janeiro de 2010

1 comentário:

João disse...

boa entrevista :)