Tudo era ali, naquele sítio, naquele momento. Da grandeza da narrativa fílmica, sobressai a cumplicidade envolvente em que todos nos deixamos seduzir. Confortavelmente sentados, participámos, em absoluta comunhão, embevecidos de êxtase, da magia do fazer, do ritual, da partilha e de um saber comunitário, clarabóia de outros modos de ser. Tudo exala paz, serenidade; a luz, coada pela sensação do sublime, é tépida, cálida, de um amarelo suave e brilhante, a embeber-se na nostalgia do quotidiano do nosso imaginário infantil, qual manhã quente de verão, sem nuvens; a banda sonora é de um lirismo emocional intimista. Mudos de um silêncio abafado de memórias, ouvimos as palavras carregadas de ancestralidade de um oleiro, que nos transporta para um tempo de saber fazer: «Antigamente fazia-se assim…era assim» e, cruelmente, em tom de mágoa e de saudade: «Agora já não se faz assim». Pois não, agora é tempo de outro tempo. Nada do que foi antes, o é agora. Essa é a inexorável verdade. E o barro vai rodopiando na máquina do tempo. As mãos do oleiro vão criando novas formas: «Antigamente, esta era a que se vendia mais. Havia muitos oleiros». E uma mão cheia de sonhos, levanta uma panela de barro, que, naquele momento, ganha vida; é uma panela de barro. Antes foi terra, elementos ou partículas, amassados pelo sacrifício do amor ao trabalho, árduo, de braços cansados, mas fartos de vitalidade, num tempo distante, levado pela cadência dos seres e das coisas.
Agora a luz, lenta e macia conduz-nos a outro cenário. É chegado o momento da cozedura; tempo de inefável beleza… Um grupo de pessoas, harmoniosamente, quase por magia, protagoniza o momento da criação, carregado de inequívocas referências e de sentimentos: a construção do forno, o transporte da lenha, a disposição das peças que vão ser cozidas, o alinhamento de volumes, de formas, encostadas, deitadas, agrupadas, opacas, os mais novos, para se protegerem, sob os mais velhos; depois a terra irá cobri-los e o fogo irá proceder à cozedura. Agora é o tempo do renascer. Abre-se a massa de terra, aquele monte construído pela mão sábia do homem; e do seu seio, a natureza recria-se nas mais diversas formas. Um a um, respeitosamente e com redobrados desvelos, os púcaros são arrancados daquela terra, ainda a respirar, ofegante, de poder e de mistério. Quase! Quase sentimos os cheiros, vimos e sentimos o esboroar-se da terra, do barro; a aspereza das formas a submeter-se, para se assumir em novas maneiras de ser. E o oleiro, embrenhado naquele mistério, pega no púcaro, que, inevitavelmente, faz parte dele, e limpa-lhe o pó, como a purificá-lo de excessos; e os grãos de poeira voltam à terra: «Agora, quem o comprar, que o lave…».
O tempo, quase parado, a dar-nos a ideia de permanecer, envolve-nos numa cumplicidade de singular comunhão e partilha de emoções, enfim, de inexplicável beleza, inefável. Quase estou tentada a dizer: “A insustentável leveza do ser”
Nota dos formadores e formandos da Escola Secundária Camilo C. Branco: um filme a não perder, recomenda-se.
A ESTÉTICA DA SEDUÇÃO
E mesmo ao lado, e porque as palavras, por vezes, são insuficientes, na sua carga significativa, há que reinventar outras formas de comunicação e Rui Aguiar pintor e escultor, nascido no Porto e com uma vasta e variada obra, deliciou-nos com uma exposição plástica, recriando os materiais para que a arte se assuma como tal, livremente. Lá estavam as gaivotas, os espaços abertos, despojados, à espera de todas as leituras, porque arte é um lugar de contradições, de encontros e desencontros
“ E o Douro ali, tão perto”
Sendo a palavra o suporte mais evidente da comunicação, desde o acto mais simples, até às mais nobres manifestações de arte, naturalmente, visitámos o Museu dos Transportes e das Comunicações, no Porto. Com hora marcada, não havia tempo a perder, mesmo assim, há que evidenciar o velho edifício da Alfândega, a receber-nos, como antigamente se fazia.
Simpaticamente, fomos guiados, e a explicação brotou: «Aqui era o lugar onde se faziam todas as trocas comerciais; e referiu-se o rio Douro, única via, através da qual as mercadorias passavam para os vários destinos, um meio de comunicação, com relevante importância, naquela altura. Decorrido algum tempo para a realização de um vídeo, o que despertou grande entusiasmo por parte dos formandos, ali estava à nossa frente, uma proliferação de provérbios. Ali, bem à vontade “de boca em boca”, a palavra era soberana; e o espaço vai-se reduzindo. Dificilmente, somos metidos num corredor estreito, apertado. Funcional e conceptualmente, ganha significado.
Aqui, uma salinha, onde se conversava, uma lareira, um gira-discos, um jornal, um telefone, são inúmeras as referências. Mais à frente, decorridos uns trinta a quarenta anos, o diálogo em família é inexistente. Sentados à mesa, durante a refeição, cada um está ligado ao seu meio de comunicação…
Cursos EFA, C7 - Visita ao museu da vila velha, o filme do oleiro
Vila real, 12 de Junho,2010
Texto de A. Andrés
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